Livro “A televisão levada a sério” de Arlindo Machado
O autor Arlindo Machado, em seu livro A televisão levada a sério, busca conscientizar as pessoas do papel da televisão e em cima disso, analisar todas as partes que a compõe como meio audiovisual da comunicação. Em certo capítulo, ele discute a respeito de gêneros, mas não do modo que estamos acostumados a abordar. Baseando-se nos estudos de Mikhail Bakhtin, que define gênero como um modo de organizar idéias, meios e recursos expressivos, Machado procura trazer aos leitores uma nova forma de se ver TV: ver, nas entrelinhas da imagem e do som, a sua estrutura. Mas para começar a discussão o autor remonta épocas antigas, relembra vários estudiosos, autores e pensadores e gasta mais de duas páginas falando a respeito do corpo humano. Entende-se perfeitamente a comparação e o esclarecimento que pretendia dar para melhor compreensão do assunto, porém, faz muitos devaneios e perde muito do seu tempo com essa reflexão profunda. Quando finalmente inicia-se a parte televisiva, começamos a perceber a perplexidade do que está por trás de um telejornal, por exemplo. Existem diversas formas de se fazer um programa, ele pode conter vinhetas, ter muitos ou poucos blocos, reportagens gravadas e ao vivo, é o que o autor nomeia de enunciado, produzidos de forma única mas com o mesmo objetivo.
Arlindo Machado, chama então nossa atenção para algo que sempre ouvimos nossos mestres afirmarem absolutamente o contrário: a matéria-prima da TV é a oralidade, o discurso. Ora, se você tem alguém falando e argumentando sobre determinado assunto, as pessoas prendem sua atenção no que ele estará lhe dizendo, com exceção em casos específicos como uma novela, onde é criada toda uma moda e estilo. Mas em um telejornal é bem diferente. É o que o autor discute e analisa conforme a definição de diálogo - um debate, uma discussão, um confronto de diferentes visões sobre o tema ou ainda, provocar o interlocutor. Tudo o que Machado nos diz a respeito dos diálogos é meramente o que nos ocorre da boca para fora. Ou seja, o debate Socrático na TV não existe, pois ele está fundamentalmente ligados em uma roda de interesses políticos e privados no qual o autor preferiu ignorar.
Isso é um fato que talvez prejudique um pouco a sua análise, visto que ele não quis considerar esses pontos, os mais determinantes na forma de produzir um telejornal - tema que ele abordará posteriormente nos capítulos do livro. Ele fica restrito a apenas uma análise de conteúdo, muito boa por sinal, mas sem se envolver com os aspectos políticos, justamente uma das coisas que mais definiria a abordagem de um programa televisivo. Nisto, o autor peca. Porém, é compreensível que Machado queria mostrar um estudo puro, da própria natureza do telejornal, sem levar tais coisas em consideração.
O primeiro ponto citado corresponde as diversas leituras que o telespectador faz de um jornal, em outras palavras, a sociedade tem sim como formar uma opinião e refletir sobre aquilo que está vendo e isto por sua vez, gera diferentes opiniões. O telejornal é um mediador entre esse telespectador e o que está acontecendo ou sendo vivido na pele por outras pessoas. A função primordial para o autor vai muito além do simplesmente informar, é mediar, passar a conversa e o ocorrido através do apresentador, do repórter e dos entrevistados - os sujeitos falantes.
Segundo Machado, o telejornal é dividido em dois modelos: centralizados e opinativos - aqueles de comentários editoriais, em que o apresentador pode dar sua opinião (como Bóris Casoy) e exercer várias funções - e o polifônico - aquele em que o âncora não emite opinião diretamente e para isso tem-se o comentarista, o especialista e analista.
Realmente existem esses tipos de telejornais, mas ainda diria que alguns se encaixam nos dois perfis citados acima. Nem concordaria com o que disse o autor a respeito do modelo opinativo, quando afirma indiretamente no texto, que ele subestima a inteligência do telespectador. O âncora coloca abertamente sua posição a respeito de determinado assunto que ele obviamente compreende, ou no mínimo estudou. As pessoas estão aptas a escutá-lo sem um pré-julgamento e se são capazes de “ler” o telejornal como Machado afirmou anteriormente, são capazes também de formar suas próprias opiniões independendo do modelo estrutural do telejornal.
Mas aqui ainda cabe um parâmetro, logicamente de acordo com o que presenciamos no dia a dia, de que o telespectador não é ignorante, ele simplesmente tem preguiça de refletir. Assim, deixando a parte do pensar apenas para a imprensa de forma geral e principalmente a televisiva, o que de fato o torna facilmente um ser manipulado.
O autor ignorou completamente o lado manipulador da televisão que influencia em todas as estruturas de todos os programas, telejornais ou não. E ainda os critica pela desorganização e embaralho de acontecimentos onde não há coerência, onde as imagens e depoimentos nos são jogados de forma bagunçada que não encaixam em uma única peça final.
Arlindo Machado, apesar de expressar bem suas idéias, baseia-se em acontecimentos, fatos e noticiários de outras décadas. Décadas essas que não correspondem tanto a nossa atualidade, mas que apenas fazem parte de uma história que nos trouxe até aqui. Nos anos comentados pelo autor, havia crises, guerras, grandes conflitos, batalhas e hoje em dia, isso de fato, mal acontece. As preocupações são outras. É mais política pura do que lutas territoriais de inimigos. É a política que Machado ignorou e que domina as empresas, os grandes veículos da comunicação – consequentemente as maiores emissoras de televisão do país que produzem os telejornais que a sociedade assiste e acompanha.
Apesar de se desviar desses pontos, a pretensão do autor é analisar e refletir sobre um determinado programa, sua estrutura, como ele é feito e montado, da forma que todos gostaríamos que fosse. Verdadeiro. Real. É exatamente o que alunos e profissionais da área deveriam ler, aprender, praticar e claramente fazer como Machado – ignorar a politicagem – e dar valor a substância que move (ou deveria mover) um telejornal.