Por Alessandra Sabbag
Cheirosa, colorida e refrescante, assim são
denominadas as características principais da gastronomia árabe. Um fator
cultural marcante no paladar que envolve tempo e cuidados bem gastos quando se
fala em temperos, um verdadeiro feitiço de sabor que conquista cada dia mais
brasileiros e que desperta os descendentes ao convívio de lembranças familiares
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Esfiha, popular até mesmo entre os brasileiros - Divulgação Restaurante Arábia |
Para o
povo brasileiro no geral, a culinária árabe é revestida de curiosidades e
indagações. Para os árabes que vivem no Brasil, ela é um manto sagrado de suas
origens. Por trás de tudo isso escondem-se os temperos típicos, exóticos e
especiais ,que juntos formam o sabor inigualável do prato árabe. Quem nunca
provou, não sabe o que está perdendo, enquanto aqueles que se já deixaram levar
por estes marcos da cultura sírio-libanesa, não se arrependem.
Qual árabe
não terá provado um verdadeiro tabule enrolado na folha da alface, um delicioso
Homus, um za’tar com azeite e pão? A gastronomia está repleta de feitiços que
aguçam o paladar que trazem do Iraque ao Marrocos, o cheiro forte de uma
culinária rica em grãos e fibras. E o brasileiro aprendeu a se adaptar a estes
pratos, inclusive as mulheres que aderiram à boa refeição mantendo o corpo de
odaliscas.
Para a
chef Leila Youssef Kuczynski a comida
árabe é equilibrada. “É o que a mantém sempre atual. É o uso de legumes, grãos,
castanhas, das carnes branca e vermelha. E lógico, o frescor da comida”, afirma.
Para a cozinheira, a gastronomia vai muito além do paladar, e no caso dos
árabes foi o principal contato do povo com a cultura brasileira. “A assimilação
da comida árabe se deu através da imigração justamente porque é uma maneira
afetiva desse imigrante conquistar e estabelecer vínculos. Muitas vezes ouvimos
alguém comentar que conhece um árabe por este elemento”, comenta a chef.
Leila é
descendente de libaneses e morou no país durante muitos anos. Quando veio ao
Brasil para estudar, sentiu falta dos cuidados e sabores especiais destas
iguarias e no instinto de sobrevivência socorreu-se com a mãe, e por fim
incentivada, no momento que precisou começou a fazer a própria comida. Com o
apoio do marido, juntos abriram o restaurante Arábia, hoje constituído de cinco
unidades localizadas em bairros nobres de São Paulo. Eles chegam a atender em
apenas uma unidade, 1.200 pessoas por dia e fazem cerca de 30Kg de folha de
uva, o que mostra que o brasileiro se interessa e gosta cada vez mais da comida
árabe.
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Folha de uva |
O segredo
de tudo está nas mãos de quem faz e obviamente dos temperos e o modo de
preparo. “A comida apresenta
uma infinidade de opções com sabor e cor, constituindo mesa farta. Em conjunto,
tudo é fundamental no resultado final” diz Vivian Saad, professora universitária
aposentada e exímia cozinheira de família. Ela conta que os pratos possuem uma
elaboração cheia de cuidados, alguns exigem tempo e paciência. O doce Beleua,
por exemplo, leva dois dias entre a preparação da massa, a montagem e o assar. “Entre
os salgados a Laban-Nie, constituída por pequenos quibes fritos e arroz
cozidos na coalhada e que na finalização é temperada com alho frito na manteiga
de leite e hortelã seca, é bem trabalhoso porque antes do seu preparo
é necessário fazer o quibe e a coalhada e durante o preparo são
necessários cuidados especiais para evitar que a coalhada se separe em
soro e queijo no momento da fervura”, complementa.
Para Leila, todos os
pratos árabes são bem elaborados e requerem disponibilidade quase integral. Ela
cita a Folha de Uva ou Charuto, onde a pessoa fica horas e horas sentada,
enrolando um por um. “São coisas de preparo
demorado e lento. Esse ritual que exige trabalho é justamente a memória
prazeirosa” comenta a chef. A memória prazeirosa a que se refere é pelo fato de
acreditar que muitos descendentes quando crianças ou jovens vêem a mãe ou a avó
preparando um prato com muita dedicação e carinho, fato que sempre ficará
guardado na mente.
A maioria
de descentes que vivem hoje no Brasil realmente aprenderam com os parentes e
familiares, como no caso de Vivian, que viu e aprendeu junto com a mãe, a avó,
a madrinha, a sogra e outras pessoas mais. Mesmo assim, a professora chegou a
realizar um curso de culinária árabe há 30 anos que em sua opinião acrescentou
muito pouco ao que já tinha aprendido com elas.
Tanto louvor e dedicação ao preparo, com os toques dos temperos, fizeram
com que a gastronomia adquire-se tradição e bom gosto. É uma comida colorida,
totalmente compatível com o clima tropical brasileiro, saudável, refrescante e
de dar água na boca.
Os
temperos se tornam cada vez mais marcantes e o conhecimento deles é
ininterrupto, uma vez que se passa de pais para filhos. Aqueles que pensam que tanta comida diversificada
só pode trazer, além de excelente degustação, alguns quilinhos a mais,
enganam-se. A gastronomia mediterrânea é uma das mais saudáveis do mundo, pois
além de grãos, contém azeite de oliva, nozes, pistache, damasco, repolho,
berinjela, pepino,pimenta, gergelim, hortelã, canela, entre outros ingredientes
ricos em proteínas e vitaminas e que combatem várias doenças. A coalhada, por
exemplo, é excelente para quem sofre de osteoporose e doenças ligadas á falta
de cálcio, e até mesmo para quem tem intolerância a lactose.
A hortelã
alivia cólicas intestinais e biliares, o grão de bico presente no Homus também
uma fonte de sais minerais que proporciona bem-estar – por isso conhecido
também como grão da felicidade – e contém baixo índice glicêmico, muito
indicado para quem tem diabetes. O gergelim do Tahine se destaca por ser uma
fonte de ácidos graxos insaturados, responsáveis pelo aumento do bom colesterol. Além de apetitosa e saudável, é uma gastronomia
perfumada e aromatizante, o que significa comer sem restrição.
O Ba-har,
pimenta síria, é dos itens mais utilizados por Leila em seus pratos, uma
verdadeira mistura de sabores e aromas com essência de romã, água de flor de
laranjeira, de rosas e vários temperos. Tanto Leila quanto Vivian dizem ser
possível a plantação de alguns temperos no próprio jardim de casa, mesmo que
alguns não se adaptem como o esnubar e a
tâmara, pois ambas não gostam de climas
como do Brasil. Os ingredientes podem
ser encontrados em qualquer lugar, porém alguns meio “abrasileirados”, o ideal
é dar uma boa procurada no bairro do Brás em supermercados e mercados que
vendem produtos importados, afinal, nada melhor do que a originalidade.
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Falafel no Prato |
A chef
complementa a explicação de porque a gastronomia árabe é tão requintada,
ressaltando as características do uso do produto da terra na época certa que a
fez atravessar a história. “É uma comida milenar, que transmitimos o que
recebemos. Isso é um dever, um compromisso, fazer a transação para os que vêem.
É uma responsabilidade muito grande preservar a tradição”, afirma. Porém ela
reconhece que é necessária uma inovação de vez enquando, que o cozinheiro
demonstre sua criatividade em novos pratos, como ela mesma já fez com o Kibe
Cru de Salmão e o molho de coalhada com hortelã seca. “É um equilíbrio
responsável, sem violentar a tradição”, comenta.
Como é
possível observar, a comida árabe foi e continua sendo o maior sucesso na boca
de descendes e brasileiros, um fato importante que dá força ao elo dos países de
lá com o nosso aqui, que desperta a
memória familiar da mãe preparando cuidadosamente o prato favorito. É o tempero
e a comida que invade com o cheiro, com o paladar e com os olhos, que mistura
sentimento e saúde. Assim é a culinária árabe, comer de tudo em vários pratos magicamente
enfeitiçados de sabor.